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quinta-feira, 25 de janeiro de 2007

Quaresma: Procurar ver Jesus

Autor: Padre Flávio Luís - reitor do Seminário de Luz
Originalmente publicada no Jornal Partilhando em Março/2006 - edição 12

Outra vez mais, em nossa vida, vem se nos apresentar a Quaresma, não apenas como tempo litúrgico, mas principalmente como tempo existencial . Sabiamente, a Igreja não nos convoca para uma interrupção no correr dos dias, mas, ao contrário, um mergulho mesmo nos dias de nossa vida: entre alegrias e tristezas, sombras e luzes, encontrarmos ali, no rotineiro viver, a encantadora luz de Deus. Por isso, este é um tempo para buscarmos um novo olhar.

Também eu, como titubeante discípulo de Jesus, procuro sempre um novo olhar, de modo a poder ver sempre as mesmas coisas como coisas sempre novas. Lembrei-me, então, de Zaqueu e de sua rápida passagem pelo evangelho de Lucas (Lc 19). Escolhi este pequeno acontecimento na vida de Jesus para meditar sobre a minha própria vida nesta quaresma. E é isso que eu quero partilhar com todos, como forma de unir-me a cada um em sua busca pessoal de ver o mundo com os olhos de Deus.

Zaqueu nos é apresentado como ícone do impuro e do indesejado, dentro da cultura judaica de seu tempo. Fez-se rico mediante inescrupulosa atuação como chefe de publicanos. Impuro porque extorquia dinheiro do povo. Indesejado porque parte do que extorquia era convertida em impostos a serem pagos a Roma. Ali estava um inimigo do povo. Ironicamente, é com essa figura controvertida, último entre os que poderiam se julgar dignos de Deus, que se compõe a cena de um verdadeiro encontro com Jesus.

A atitude de Zaqueu é decisiva: ele procurava ver Jesus. O evangelista não diz porque, mas, pelo que se sucede em seguida, não se pode reduzir essa motivação a uma simples curiosidade. Trata-se de um homem rico, mas incomodado, porque percebe que sua riqueza não consegue oferecer um sentido mais radical e verdadeiro para sua vida. Também nós sabemos, hoje, que das coisas todas que podemos ter, nenhuma delas alcança o desejo que temos de plenitude. Por vezes, temos tudo e permanecemos com a nítida sensação de sermos nada ! Estamos à procura, como peregrinos. Não é diferente para Zaqueu.

Zaqueu mantém sua decisão: quer ver Jesus. Os obstáculos se apresentam. Uma multidão cercava Jesus e impedia que se chegasse até ele; além disso, a baixa estatura de Zaqueu tornava-o quase insignificante. Mas Zaqueu manteve-se firme. A despeito de sua posição social, expõe-se ao limite do ridículo, quando sobe numa árvore, para ver Jesus.

Experimentamos, em nossa vida, o que nessa narrativa experimenta Zaqueu. Por vezes, sentimo-nos insignificantes, um quase-ninguém diante de uma multidão que cerca Jesus. Por vezes, também comportamo-nos como a multidão e nos pensamos privilegiados por estar próximos ao Senhor. A verdade é que para um encontro verdadeiro com Jesus precisamos deixar a multidão, o anonimato e nos apresentar em nossa singularidade, ainda que essa singularidade seja de ‘baixa estatura’. A multidão, por si só, pode nos deixar cegos para ver o que é essencial. Acabamos por ver com os olhos dos outros e cercamo-nos de preconceitos e prejulgamentos.

A decisão firme de Zaqueu incluiu uma capacidade de vencer todo orgulho e soberba e subir numa árvore. É a exigente atitude de humildade, forjadora de pessoas verdadeiramente livres, que move Zaqueu. Só o humilde – que se reconhece húmus, pó, chão – é que pode ser livre e somente a pessoa livre será capaz de ver o mundo com outros olhos. Não de cima de uma árvore, mas ver o mundo com os olhos de Deus. Zaqueu sentiu a necessidade que, tantas vezes, sentimos : arriscar a contemplar as belezas de Deus com um olhar mais singelo e delicado.

Daí em diante acontece o que há de mais belo nessa narrativa. Na verdade, não é Zaqueu que quer encontrar Jesus, apesar de procurá-lo com firme decisão. Mas é Jesus que deseja encontrar Zaqueu: ‘desce depressa ! Hoje eu devo ficar na tua casa’. Ainda que nossos esforços sejam verdadeiros e revelem nossa disposição para o encontro com Jesus, é sempre Jesus que se antecipa, visto que o amor sempre surpreende o amado.

Nas palavras dirigidas a Zaqueu, não há nenhuma repreensão, nenhum pedido de explicação, nenhuma pergunta constrangedora. Há o sonoro pronunciar do que é mais precioso em nossa identidade: o nome. Jesus chama aquele homem, de baixa estatura, chefe de publicanos (pecador público, por isso) pelo nome. Ao chamá-lo pelo nome, Jesus devolve-lhe a vocação original – Zaqueu (conforme indica o nome) volta a ser puro. Tão puro que desce da árvore e recebe Jesus com alegria em sua casa, a despeito dos que condenam Jesus por conviver com os pecadores. Tão puro que, sem nenhuma palavra repreensiva da parte do Senhor, Zaqueu desdobra-se para uma conversão sincera, generosa, bem além do estipulado pela lei judaica.

É este encontro fecundo que busco para mim e desejo para todos: o encontro – iniciativa de Jesus sempre, mas preparado pela minha disposição interior – em que minha verdadeira vocação se apresente ao chamado do Senhor. Encontro que me ajude a descobrir direções mais acertadas, mais generosas, para minha conversão diária. Encontro que me faça cair na conta de que não importa nossa ‘baixa estatura’, importa sim nossa disposição de querer ver com olhos diferentes o que sempre vimos com olhos não poucas vezes viciados de preconceitos e orgulho. E sem me esquecer que, no encontro, a iniciativa é sempre de quem ama mais: Jesus. Daí, dito o meu nome, quero descer correndo da árvore e, mesmo sabendo dos meus limites, receber Aquele que é o Sentido de tudo, para o mais saboroso banquete: a Vida.

Percorramos, juntos, conduzidos pelo mesmo Espírito que conduziu Jesus ao deserto, nosso itinerário quaresmal, com Zaqueu e, sobretudo, com Jesus. Amém !

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